Segundo Yazbek (2001) Análise Da Refilantropização Do Social E Despolitização
A Despolitização da Questão Social na Perspectiva Liberal de Yazbek (2001)
Segundo Yazbek (2001), o pensamento liberal promove uma ampla “refilantropização do social”, um conceito central para entender a crítica da autora à abordagem liberal das questões sociais. No cerne dessa refilantropização está a negação dos direitos sociais como direitos inerentes aos cidadãos, transformando-os em meros deveres morais. Essa metamorfose, segundo Yazbek, opera uma profunda despolitização da “questão social”, um processo que merece uma análise detalhada para compreendermos suas implicações. Para Yazbek, a refilantropização do social se manifesta na substituição da responsabilidade do Estado na garantia dos direitos sociais pela ação filantrópica individual ou de organizações não governamentais. Em outras palavras, o que antes era um direito exigível do Estado, como saúde, educação e assistência social, passa a ser visto como uma questão de caridade, dependente da boa vontade de indivíduos e instituições privadas. Essa mudança de perspectiva, embora possa parecer humanitária à primeira vista, carrega consigo uma série de problemas. Um dos principais problemas apontados por Yazbek é a despolitização da questão social. Ao transformar os direitos sociais em deveres morais, o pensamento liberal retira a questão social do âmbito político, onde deveria ser debatida e resolvida através de políticas públicas. A filantropia, por mais louvável que seja, não é capaz de substituir a ação do Estado na garantia dos direitos sociais de forma universal e igualitária. Além disso, a filantropia pode gerar relações de dependência e assistencialismo, em vez de promover a autonomia e a emancipação dos indivíduos. Ao depender da caridade alheia, as pessoas em situação de vulnerabilidade social podem se sentir humilhadas e desempoderadas, o que dificulta sua participação na vida política e social. Outro aspecto importante da crítica de Yazbek é a forma como o pensamento liberal individualiza a questão social. Ao invés de reconhecer que os problemas sociais são resultado de desigualdades estruturais e injustiças sociais, o pensamento liberal tende a responsabilizar os indivíduos por sua própria situação. Desemprego, pobreza, falta de acesso à saúde e educação são vistos como problemas individuais, decorrentes da falta de esforço ou de habilidades dos indivíduos, e não como problemas sociais que exigem soluções coletivas. Essa individualização da questão social dificulta a construção de uma consciência coletiva sobre os problemas sociais e impede a organização dos indivíduos para lutar por seus direitos. Ao despolitizar e individualizar a questão social, o pensamento liberal contribui para a manutenção do status quo e dificulta a transformação social. A refilantropização do social, portanto, não é apenas uma questão de caridade, mas sim uma estratégia política que visa enfraquecer os direitos sociais e legitimar a desigualdade social. Para Yazbek, é fundamental resistir a essa refilantropização e defender a importância dos direitos sociais como direitos universais e exigíveis do Estado. Isso exige a construção de uma consciência crítica sobre a questão social e a organização dos indivíduos para lutar por seus direitos.
Os Direitos Sociais Metamorfoseados em Dever Moral
A metamorfose dos direitos sociais em dever moral é um ponto crucial na análise de Yazbek. Direitos sociais, como saúde, educação, moradia e assistência, são constitucionalmente garantidos e devem ser assegurados pelo Estado a todos os cidadãos. No entanto, a perspectiva liberal, segundo Yazbek, tende a minimizar o papel do Estado como garantidor desses direitos, transferindo a responsabilidade para a esfera individual e para a filantropia. Essa transmutação tem implicações profundas. Quando os direitos sociais são vistos como deveres morais, a sua exigibilidade é enfraquecida. A lógica da caridade e da assistência social voluntária não cria a mesma obrigação que a lei impõe ao Estado. Aquele que necessita de um direito social passa a depender da boa vontade de terceiros, e não de um sistema que lhe assegure esse direito de forma universal e incondicional. Além disso, essa visão moralizante pode levar à culpabilização da vítima. Se a assistência social é vista como um ato de caridade, a falta dela pode ser interpretada como um fracasso moral do indivíduo que necessita. Essa culpabilização individualiza problemas que são estruturais, como a pobreza e a desigualdade, obscurecendo as responsabilidades do sistema e do Estado. A transformação dos direitos sociais em deveres morais também tem um impacto na organização da sociedade civil. Quando os direitos são garantidos pelo Estado, os cidadãos podem se organizar para exigir o seu cumprimento e para participar da formulação das políticas públicas. No entanto, quando a responsabilidade é transferida para a esfera individual e para a filantropia, a organização coletiva se torna mais difícil. A caridade, por sua natureza, tende a ser individualizada e fragmentada, o que dificulta a construção de uma agenda política comum em defesa dos direitos sociais. Yazbek argumenta que essa metamorfose dos direitos sociais em deveres morais é uma estratégia para deslegitimar as lutas por direitos e para enfraquecer o papel do Estado como provedor de bem-estar social. A filantropia, embora possa ser importante para atender a necessidades emergenciais, não pode substituir a ação do Estado na garantia dos direitos sociais de forma universal e igualitária. Para Yazbek, é fundamental defender a importância dos direitos sociais como direitos subjetivos, exigíveis de um Estado responsável e comprometido com a justiça social. Isso exige a construção de uma cultura política que valorize a solidariedade e a responsabilidade coletiva, em vez da caridade individualizada e da moralização da pobreza. A luta pelos direitos sociais é, portanto, uma luta política que exige a organização da sociedade civil e a pressão sobre o Estado para que cumpra o seu papel de garantidor do bem-estar social.
A Profunda Despolitização da "Questão Social"
A profunda despolitização da “questão social” é, para Yazbek, a consequência mais grave da refilantropização promovida pelo pensamento liberal. A “questão social”, em sua essência, refere-se aos problemas sociais que emergem das desigualdades estruturais e das relações de poder na sociedade capitalista. Desemprego, pobreza, falta de acesso à saúde e educação, violência, discriminação – todos esses são fenômenos que não podem ser compreendidos como meros problemas individuais, mas sim como expressões das contradições e injustiças do sistema social. A despolitização da questão social ocorre quando esses problemas são retirados do debate público e da agenda política, sendo tratados como questões técnicas ou morais, e não como questões políticas que exigem soluções coletivas. Essa despolitização se manifesta de diversas formas. Uma delas é a já mencionada individualização dos problemas sociais. Quando o desemprego é visto como um problema de falta de qualificação do indivíduo, e não como resultado de políticas econômicas que geram desemprego, a questão social é despolitizada. Da mesma forma, quando a pobreza é vista como um problema de falta de esforço ou de vícios do indivíduo, e não como resultado da má distribuição de renda e da falta de oportunidades, a questão social é despolitizada. Outra forma de despolitização é a tecnicização dos problemas sociais. Quando os problemas sociais são abordados apenas sob uma perspectiva técnica, com foco em indicadores e metas, a dimensão política do problema é obscurecida. Por exemplo, a discussão sobre a qualidade da educação muitas vezes se concentra em resultados de testes e rankings, negligenciando questões como a desigualdade de acesso, a falta de recursos e a precarização do trabalho docente. A moralização da questão social também é uma forma de despolitização. Quando os problemas sociais são tratados como questões de moralidade individual, como falta de valores ou de ética, a dimensão política é novamente obscurecida. Por exemplo, a discussão sobre a violência muitas vezes se concentra em questões como a falta de punição ou a influência da mídia, negligenciando as causas sociais da violência, como a desigualdade, a exclusão e a discriminação. A despolitização da questão social tem como consequência o enfraquecimento da luta por direitos e a manutenção do status quo. Quando os problemas sociais são despolitizados, fica mais difícil mobilizar a sociedade para exigir mudanças e para pressionar o Estado a agir. A filantropização da questão social é um dos mecanismos que contribuem para essa despolitização. Ao transferir a responsabilidade pelos problemas sociais para a esfera individual e para a filantropia, o pensamento liberal enfraquece o papel do Estado como provedor de bem-estar social e dificulta a organização da sociedade civil em defesa dos direitos sociais. Para Yazbek, é fundamental resistir a essa despolitização e politizar a questão social. Isso exige a construção de uma consciência crítica sobre as causas dos problemas sociais e a organização dos indivíduos para lutar por seus direitos. A politização da questão social implica em reconhecer que os problemas sociais são resultado de relações de poder e desigualdades estruturais, e que a sua solução exige mudanças políticas e sociais profundas. A luta pela justiça social é, portanto, uma luta política que exige a participação ativa dos cidadãos na vida pública e a pressão sobre o Estado para que cumpra o seu papel de garantidor do bem-estar social.
Implicações e Consequências da Refilantropização
A refilantropização do social, conforme analisada por Yazbek, não é um fenômeno neutro ou isolado; ela acarreta uma série de implicações e consequências que afetam profundamente a sociedade. Uma das principais consequências é a precarização das políticas sociais. Ao transferir a responsabilidade do Estado para a filantropia, as políticas sociais se tornam mais vulneráveis e menos eficazes. A filantropia, por sua natureza, é voluntária e assistemática, o que significa que ela não pode garantir a continuidade e a universalidade dos serviços sociais. Além disso, a filantropia muitas vezes se concentra em ações emergenciais e paliativas, em vez de abordar as causas estruturais dos problemas sociais. Outra consequência da refilantropização é o aumento da desigualdade social. Quando o Estado se retira da sua função de provedor de bem-estar social, as desigualdades tendem a se agravar. Os mais pobres e vulneráveis ficam ainda mais dependentes da caridade alheia, enquanto os mais ricos podem se eximir da sua responsabilidade social. A refilantropização também pode levar à criação de um sistema dual de proteção social, em que os mais ricos têm acesso a serviços de qualidade através do mercado, enquanto os mais pobres dependem da assistência social precária e da filantropia. A refilantropização também afeta a qualidade da democracia. Quando os direitos sociais são vistos como favores ou concessões, e não como direitos subjetivos exigíveis, a participação política dos cidadãos é enfraquecida. A democracia se torna mais formal e menos substancial, com menor capacidade de promover a justiça social e a igualdade. Além disso, a refilantropização pode levar à deslegitimação do Estado e das instituições públicas. Quando o Estado se mostra incapaz de garantir os direitos sociais, a confiança dos cidadãos nas instituições diminui, o que pode gerar instabilidade política e social. Yazbek argumenta que a refilantropização do social é uma estratégia política que visa enfraquecer os direitos sociais e legitimar a desigualdade social. Essa estratégia se baseia em uma visão individualista e meritocrática da sociedade, em que o sucesso e o fracasso são vistos como resultados do esforço individual, e não das condições sociais e econômicas. Essa visão ignora as desigualdades estruturais e as relações de poder que moldam a sociedade, e dificulta a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Para Yazbek, é fundamental resistir à refilantropização e defender a importância dos direitos sociais como direitos universais e exigíveis do Estado. Isso exige a construção de uma consciência crítica sobre a questão social e a organização dos indivíduos para lutar por seus direitos. A luta pelos direitos sociais é, portanto, uma luta política que exige a participação ativa dos cidadãos na vida pública e a pressão sobre o Estado para que cumpra o seu papel de garantidor do bem-estar social.
Alternativas à Refilantropização: Fortalecendo os Direitos Sociais
Dada a crítica contundente de Yazbek à refilantropização do social, torna-se imperativo explorar alternativas que fortaleçam os direitos sociais e promovam uma sociedade mais justa e igualitária. Uma das principais alternativas é o fortalecimento do papel do Estado como garantidor dos direitos sociais. Isso implica em investir em políticas públicas universais e de qualidade nas áreas de saúde, educação, assistência social, moradia e outras. O Estado deve ser o principal provedor de serviços sociais, garantindo o acesso a todos os cidadãos, independentemente da sua condição social ou econômica. O fortalecimento do papel do Estado também exige a ampliação da participação social na formulação e no controle das políticas públicas. Os cidadãos devem ter o direito de participar das decisões que afetam suas vidas, através de conselhos, audiências públicas e outras formas de participação. O controle social sobre as políticas públicas é fundamental para garantir a sua efetividade e para evitar o desvio de recursos. Outra alternativa à refilantropização é o fortalecimento da organização da sociedade civil. As organizações da sociedade civil desempenham um papel importante na defesa dos direitos sociais e na promoção da justiça social. Elas podem atuar como fiscalizadoras do Estado, denunciando violações de direitos e pressionando por políticas públicas mais justas. As organizações da sociedade civil também podem oferecer serviços sociais complementares aos do Estado, especialmente para grupos vulneráveis e marginalizados. No entanto, é importante que as organizações da sociedade civil mantenham a sua autonomia em relação ao Estado e ao mercado, para evitar a instrumentalização e a cooptacão. Uma terceira alternativa é a promoção da educação e da conscientização sobre os direitos sociais. Muitas pessoas não têm conhecimento dos seus direitos e de como exercê-los. É fundamental investir em programas de educação e conscientização que informem os cidadãos sobre os seus direitos sociais e sobre os mecanismos de participação e controle social. A educação sobre os direitos sociais deve ser parte integrante do currículo escolar, desde a educação básica até o ensino superior. Além disso, é importante promover o debate público sobre a questão social, envolvendo diferentes setores da sociedade. O diálogo e a troca de ideias são fundamentais para a construção de uma consciência crítica sobre os problemas sociais e para a identificação de soluções justas e sustentáveis. Yazbek argumenta que a luta contra a refilantropização do social é uma luta política que exige a mobilização da sociedade civil e a pressão sobre o Estado. Essa luta exige a construção de uma visão alternativa da sociedade, baseada nos princípios da justiça social, da igualdade e da solidariedade. Uma sociedade em que os direitos sociais sejam garantidos a todos os cidadãos, e não apenas àqueles que podem pagar por eles. Uma sociedade em que o Estado cumpra o seu papel de provedor de bem-estar social, e não apenas de regulador do mercado. Uma sociedade em que a participação social seja valorizada e incentivada, e não apenas tolerada. Essa visão alternativa da sociedade é um desafio para o pensamento liberal e para as forças conservadoras, mas é uma necessidade para a construção de um futuro mais justo e igualitário.
Conclusão
A análise de Segundo Yazbek (2001) sobre a refilantropização do social oferece uma perspectiva crítica fundamental para compreendermos os desafios contemporâneos na área social. A despolitização da questão social, a metamorfose dos direitos em deveres morais e a transferência da responsabilidade do Estado para a filantropia são processos que enfraquecem a luta por direitos e perpetuam as desigualdades. Para enfrentar esses desafios, é imprescindível fortalecer o papel do Estado como garantidor dos direitos sociais, ampliar a participação social nas políticas públicas, fortalecer as organizações da sociedade civil e promover a educação e a conscientização sobre os direitos. A luta contra a refilantropização é uma luta por uma sociedade mais justa e igualitária, em que os direitos sociais sejam efetivamente garantidos a todos os cidadãos. A obra de Yazbek nos convida a refletir sobre o papel do pensamento liberal na conformação das políticas sociais e a buscar alternativas que fortaleçam a justiça social e a cidadania plena. Ao compreendermos as nuances da refilantropização e seus impactos, podemos construir estratégias mais eficazes para a defesa dos direitos sociais e a construção de uma sociedade mais equitativa e solidária.